O absurdo, seja a ideia do inverossímil, seja o sobrenatural, sempre existiu na literatura, desde os gregos, romanos, chineses e japoneses. Mas foi na Idade Moderna que o absurdo aparece como instrumento essencial para a ficção.
Podemos dizer que o período romântico moldou as bases do absurdo na literatura. Uma ascensão do irracional vem com a literatura gótica romântica, mesclando realidade à fantasia, ao sobrenatural, ao inexplicável. A partir de O Castelo de Otranto (1764), de Horace Walpole, o lógico e o ilógico se fundiram. Autores como E. T. A. Hoffmann, Matthew Gregory Lewis, Clara Reeve, Sophia Lee, Robert Louis Stevenson, Mary Shelley, H. G. Wells, Bram Stoker estenderiam esse uso do absurdo literário com tons de terror, mistério e suspense até chegarmos a H.P. Lovecraft, Edgar Allan Poe, Stephen King e vários outros contemporâneos.
Nessa progressão, Kafka acolhe o absurdo como nenhum outro. Porém seu absurdo é muitas vezes institucional, de julgamento (do meio jurídico e das pessoas), da própria vida cotidiana. Não se precisa ir muito longe, a castelos góticos ou paisagens exóticas para se conhecer o absurdo: ele está no meio de nós, ao nosso lado, à nossa frente, aos nossos olhos. É o absurdo diante da impotência do homem frente ao jogo de poder estabelecido na sociedade. Sua insuficiência frente à forma, à injustiça, ao trabalho, à exploração. O personagem kafkiano sabe que algo está errado, mas é incapaz de resolver o problema, que se desdobra por ação própria, fazendo do ser humano uma débil marionete.
Contudo, há algo que merece ser esclarecido: o absurdo não é o nonsense. Este não possui leis internas de formação, a aleatoriedade é a única diretriz e a ilogicidade não se configura metodológica. É o caos sem pressuposição de ordem. Já aquele possui sua gramática, sua ordem, sua lógica dentro da ilogicidade.
O Dadaísmo reflete bem este último. Nos dizeres do romeno Tristan Tzara, o próprio termo Dadá (Dada) não significa nada, mas, ao não significar nada, significa tudo. Surgido após a I Guerra Mundial, reflete uma desolação com a própria humanidade, uma espécie que atraiçoa seus componentes. Por isso, o movimento reivindica liberdade total e individual e combate as regras estabelecidas.
Por sua vez, o Existencialismo francês trouxe o absurdo como forma de abordagem do mundo e um elemento literário instigante. O absurdo é o que nos resta após buscarmos responder à pergunta sobre o sentido real da vida. Albert Camus, em O mito de Sísifo, nos mostra quanto o significado da existência é sem propósito, desordenado e desarmônico. Por mais que tentemos regrar, racionalizar a vida, não somos capazes de ordená-la e, por isso, caminhamos a esmo, rumo a um futuro sempre incerto. Como num mundo kafkiano, vivemos as angústias de um mundo claustrofóbico, que mais nos lança perguntas do que respostas. O que Camus pensaria sobre o propósito do ser humano pós-pandêmico?
O Teatro do Absurdo surge em um contexto bastante desolador, o período pós-II Guerra. É o momento de descrédito de tudo o que homem construiu como sociedade: religião, política, economia, relações pessoais. Nome recebido por Martin Esslin, o Teatro do Absurdo vai trazer a negação da lógica, das estabilidades sociais. Vários artistas trabalharam com esse mesmo procedimento dramático, dentre eles estão o escritor romeno Eugène Ionesco, o irlandês Samuel Beckett, o russo Arthur Adamov, o espanhol Fernando Arrabal e o francês Jean Genet. É a composição do absurdo como única lógica explicativa do real.
Ainda no contexto pós-II Guerra, mas agora na América Latina, surge o Realismo Mágico. Essa nova forma narrativa traria, segundo o venezuelano Uslar Pietri, o mistério e a negação poética da realidade. Inicialmente como oposição ao Realismo/Naturalismo do século XIX, depois ao Neorrealismo Regional da primeira metade do século XX e então aos governos ditatoriais da segunda metade do século, o Realismo Mágico trazia o absurdo, a fantasia, a ilogicidade, mas com uma característica central: os personagens não procuravam entender a razão daquilo.
Assim, diferentemente de uma consciência kafkiana, em que há o desconforto de saber que algo está errado e ilógico, no Realismo Mágico o absurdo se torna natural. Veio a ser uma crítica à situação política dos países da América Latina. Vários autores se destacaram nesse segmento, dentre eles estão Jorge Luis Borges, Alejo Carpentier, Arturo Uslar Pietri, Miguel Ángel Asturias, Juan Rulfo, Adolfo Bioy Casares, Juan Carlos Onetti, José María Arguedas, Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez, José Donoso, Isabel Allende, Laura Esquivel e outros.
No Brasil, Murilo Rubião, José J. Veiga, Luís Bustamante e Dias Gomes foram grandes autores a usar essa narrativa.
Na Europa, influenciados por suas próprias realidades, mas tendo ainda a decepção com a humanidade e com seus feitos como motor, o Realismo Mágico recebe o nome de Realismo Fantástico ou Maravilhoso, segundo alguns autores. Igualmente, o absurdo toma conta da naturalidade cotidiana e suas causas são desconhecidas e até mesmo desdenhadas. Exemplos recentes dessa estrutura narrativa encontramos em José Saramago, com livros como Ensaio sobre a cegueira, Ensaio sobre a lucidez e As intermitências da morte.
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