As desinências nominais em língua portuguesa são tradicionalmente definidas como morfemas flexionais que designam, mostram, revelam duas categorias para um nome (substantivo, adjetivo, pronome, artigo ou numeral): o gênero (masculino e feminino) ou o número (singular e plural).
A desinência se distingue do afixo (prefixo e sufixo) por
ser este um elemento que promove uma nova palavra, enquanto aquela não permite
a criação de uma nova palavra, mas apenas sua variação.
Assim, gato e gata são a mesma palavra com
gêneros diferentes. Já gato e gatinho são considerados palavras
diferentes.
Dessa forma, a expressão bastante difundida “concordo em
gênero, número e grau” é, estruturalmente, ilógica, uma vez que a flexão (de
gênero e de número) está ligada à concordância; o grau, por sua vez, liga-se à
estilística e à semântica. Também é inapropriado dizer que uma palavra pode
variar em gênero, número e grau, pois, como dito, variação ocorre na flexão; na
derivação ocorre formação.
Porém, há algumas controvérsias. Se levarmos em conta que a
desinência não promove o surgimento de uma nova palavra mas sua variação,
afirmaremos, então, não haver mudança semanticamente significativa ao
substituirmos uma desinência masculina por uma feminina.
Ao observarmos mais atentamente o par de substantivos
gato/gata, notamos uma diferença que vai além do gênero. Ao mesmo tempo em que
há a designação da espécie macho e da espécie fêmea de um tipo de felino, a
forma gato também expressa o grupo total (machos e fêmeas) dessa espécie do
gênero Felis; não é o caso de gata, que só representa o animal feminino.
Devido a isso, alguns autores sugerem não haver desinência
de gênero em substantivos, apenas em adjetivos, numerais, pronomes, artigos. O
que haveria nos substantivos, para esses autores, seria a mudança da vogal
temática ou até mesmo a inserção de um sufixo.
Observe, como exemplo, a canção História de uma gata, de Chico Buarque:
A canção conta a história de uma gata criada em um
apartamento confortável e com uma vida cheia de mimos e tratos, mas que se
sentia solitária e entediada.
Um dia ela se encantou pelos gatos que cantavam na rua,
felizes, e resolveu se juntar a eles. Por causa disso, foi expulsa de casa e
perdeu as regalias que tinha. Contudo ela não se arrependeu, pois descobriu a
alegria de ser uma gata livre.
Observe que na canção há oposições iniciais entre gata X
gatos; apartamento X rua; prisão X liberdade. A gata (gênero feminino) é assim
chamada quando individualizada. Contudo, quando passa a pertencer ao grupo dos
felinos da rua, passa a se nomear gato (mas no plural) por pertencer a um
agrupamento de felinos, ou seja, uma representação do total desses seres. O
grupo é usado em sua forma masculina (gatos).
O professor José Pereira da Silva, no artigo A
inexistência da flexão de gênero nos substantivos da língua portuguesa,
defende que em gato/gata há um sufixo e não uma desinência. Esta se encontra em
adjetivos, por exemplo, pois serve para manter a concordância: gato bonito /
gata bonita. É o adjetivo que concorda com o substantivo, não o oposto.
Além disso, em substantivos uniformes, não há alternância de
vogais. Quem continua a concordar é o adjetivo (e o artigo nestes casos): o
atleta rápido / a atleta rápida.
Outro fator que torna inconsistente a afirmação de ser a
desinência a responsável por indicar o gênero do substantivo é a existência de
pares que se opõem pelo acréscimo de um sufixo tradicional (conde/condessa) ou
por um morfema subtrativo (vilão/vilã).
Vemos, portanto, que, no campo da morfologia, várias são as
divergências. Há muito o que se analisar e pesquisar.
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