Na crônica "Jack, o Estripador", do livro O romance morreu, Rubem Fonseca discute sobre a figura histórica e mítica do lendário assassino em série que aterrorizou Londres no final do século XIX e sobre sua influência na cultura popular, na literatura e no cinema. Para o autor, além de ser um criminoso real, Jack é também um símbolo da violência, do medo, do mistério e da fascinação que o mal exerce sobre a imaginação humana.
Veja abaixo a crônica completa:
JACK, O ESTRIPADOR
Assassinos em série, ou serial killers, existem no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Entre os nossos podemos citar Febrônio, talvez o mais antigo de todos, Francisco Rocha, Chico do Picadinho, Marcelo Costa, o Vampiro de Niterói, Pedro Rodrigues, Pedrinho Matador, Francisco de Assis Pereira, o motoboy conhecido como Maníaco do Parque. Todos acabaram identificados e presos e gozaram, os daqui e os do exterior, de uma fama instantânea e evanescente. Mas um deles, que aterrorizou a cidade de Londres e nunca foi identificado ou preso, mantém a sua fama há 118 anos. Seu apelido: Jack the Ripper. Ele matava prostitutas e as estripava, ou seja, arrancava-lhes as tripas, daí o seu apelido, Estripador.
Há mais de um século, portanto, são realizadas especulações sobre quem seria o Estripador. Inúmeros livros foram escritos, reportagens foram realizadas, filmes foram produzidos sobre esse personagem, uns contradizendo os outros. Sua identidade e motivações ainda não foram estabelecidas de maneira irretorquível. Só existe acordo quanto ao seu modus operandi.
Tudo indica que o Estripador pagava para praticar coito anal com a prostituta — isso era feito na rua, sim, na Londres daquele tempo não havia motéis ou outros locais mais adequados para esse tipo de atividade — e no momento em que ela se curvava levantando as saias com as duas mãos, o assassino se aproveitava da situação indefesa da mulher para estrangulá-la. Ele não chegava a ter relações sexuais com a puta, nem se masturbava sobre o cadáver.
Depois de matá-la, o Estripador estendia sua vítima no chão, em decúbito dorsal, e começava por cortar-lhe a garganta. Em seguida retirava uma das suas vísceras, ao mesmo tempo troféu e assinatura, a comprovação do seu triunfo. O exame dos corpos das suas cinco (pelo menos) vítimas levou os legistas à conclusão de que ele tinha algum conhecimento de anatomia, pois a remoção do órgão era feita de maneira hábil, fosse um rim, o fígado ou os órgãos genitais.
Era assim que ele operava. Mas quem era ele?
Seria M.J. Druitt, que uns dizem ter sido advogado, outros que era um médico? Não, muito improvável, segundo a maioria das pesquisas.
Aaron Kosminiski, o judeu polonês que logo após os crimes foi internado num asilo de loucos? Podemos tirá-lo da lista de suspeitos.
Michael Ostrog? Era apenas um maluco.
Em 1970 surgiu a teoria de que o Estripador era o neto da rainha Vitória, o príncipe Albert Victor, duque de Clarence e Avondale. Essa tese era muito atraente, permitia visões conspiratórias, a própria polícia teria encoberto as pistas que levariam ao príncipe etc. Durante um longo tempo muita gente acreditou (e acredita ainda) que o príncipe foi de fato o Estripador.
A teoria moderna mais interessante é a da escritora de ficção Patricia Cornwell, que escreveu uma tese sobre o assunto.
Consagrada autora de romances policiais, ela sempre foi muito atraída pelo mistério de Jack, o Estripador. Depois de uma minuciosa pesquisa, na qual, segundo consta, despendeu mais de seis milhões de dólares, Patricia Cornwell escreveu o livro Retrato de um assassino — Jack, o Estripador: caso encerrado.
No livro, publicado no início do século XXI, ela afirma que o Estripador é Walter Richard Sickert, nascido em 1860, em Munique, conhecido pintor impressionista que retratava prostitutas ameaçadas por homens sinistros, frequentador da sociedade londrina, discípulo de Whistler e amigo de Degas. Segundo as pesquisas que a equipe de Patricia realizou, Sickert tinha personalidade psicopática, era um homem bonito e charmoso, gostava de manipular as mulheres.
Uma parte do dinheiro gasto pela escritora foi usada em testes de DNA, no caso DNA mitocondrial, que dura mais do que o DNA nuclear, ainda que não seja tão confiável. Também o exame das cartas que o Estripador teria escrito mostra que o papel era idêntico ao das cartas de Sickert. O exame grafotécnico comprova que a letra dos dois, do criminoso e do suspeito, era semelhante. Muitas outras pesquisas foram realizadas pelos peritos contratados por Patricia Cornwell, todas reforçando a sua teoria.
Muita gente acredita que a tese de Patricia Cornwell encerra o assunto. Tenho dúvidas, não creio que seja “a closed case”, como ela afirma, e não me surpreenderei se outras teses, também aparentemente verdadeiras, surgirem no futuro.
Finalmente, qual a motivação de Jack, o Estripador? As mulheres escolhidas eram prostitutas por serem mais fáceis de matar ou porque ele era um moralista que estava ministrando o castigo que elas mereciam?
Os modernos estudos sobre o perfil dos serial killers indicam que eles, em sua maioria, são homens brancos, com QI acima da média, desajustados no trabalho e na escola, de famílias instáveis, mães dominadoras, que odeiam os pais, vítimas de abusos — psicológicos, físicos e/ou sexuais — quando crianças, com tendências voyeuristas, fetichistas e piromaníacas, propensões suicidas, interessados em pornografia sadomasoquista, que padeceram de enurese (urinavam na cama quando crianças) e começaram suas carreiras torturando animais.
Todos nós conhecemos pessoas que se enquadram nesse perfil. Não?
Rubem Fonseca
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