Em 1976, o escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), considerado por muitos o maior autor portenho, viajou para receber um Prêmio Honoris Causa da Universidade do Chile. Essa visita, que inicialmente parecia uma honra literária rotineira, acabou por gerar repercussões esperadas e marcantes em sua vida.
Antes da viagem, Borges já havia sido condecorado com a Ordem de Bernardo O'Higgins pela embaixada chilena em Buenos Aires. A visita ao regime militar de Augusto Pinochet, porém, tomou um rumo controverso. Em seu discurso de agradecimento, Borges surpreendeu ao expressar apoio ao governo militar chileno. Suas palavras de elogio à ordem e estabilidade percebidas no Chile, comparadas a outros lugares do continente que ele via como anárquicos ou comunistas, foram amplamente divulgadas.
Gabriel García Márquez assim fala sobre isso em uma crônica de 1980:
"O certo é que a 22 de setembro daquele ano [1976] - um mês antes da votação [do Prêmio Nobel] - Borges fizera algo que nada tinha a ver com sua literatura magistral: visitou, em audiência solene, o general augusto Pinochet.
- Não sou digno da honra de ser recebido pelo senhor, presidente - disse em seu infeliz discurso."
Essa posição teve um preço em suas aspirações ao Prêmio Nobel de Literatura. A Academia Sueca, apesar do notável legado literário de Borges, excluiu o autor devido à sua polêmica visita ao território chileno. María Kodama, viúva de Borges, relembra uma chamada de Estocolmo alertando sobre consequências negativas iminentes. A Academia Sueca, temendo associar-se a Borges após sua visita ao regime militar, telefonou ao argentino e sinalizou que isso poderia impactar negativamente em sua candidatura ao Nobel. No entanto, Borges, fiel a seus princípios éticos, recusou-se a reconsiderar sua decisão, falando, ao telefone: "Olha, senhor, agradeço a gentileza de vocês, mas depois do que você acabou de me dizer, meu dever é ir ao Chile. Há duas coisas que um homem não deve permitir: subornar ou ser subornado".
Borges, conhecido por seu ceticismo político, enfrentou críticas por sua postura. Mesmo após a polêmica visita, permaneceu crítico em relação a questões políticas, lamentando os desaparecidos e manifestando desinteresse pela Guerra das Malvinas.
Em outro episódio, o autor de O Aleph rotulou o então presidente argentino Perón como bandido e fez a mais insultuosa das afirmações, sugerindo que o líder argentino era casado com uma prostituta - uma referência direta a Evita. Essas palavras duras, lançadas em 1976, ano politicamente fatídico para o argentino, o colocaram em rota de colisão com os peronistas. Ele havia elogiado Pinochet como um combatente contra a anarquia e o comunismo e brindou Jorge Rafael Videla, general argentino e ditador de seu país entre 1976 e 1981, chamando-o de soldado-cavalheiro. Em uma reviravolta irônica, Borges, antes membro do Partido Conservador, alegou ignorância sobre os crimes de Pinochet e Videla, se denominando uma "pessoa apolítica".
A recusa do Prêmio Nobel, anunciada por Arthur Lundqvist, membro do comitê do Nobel, teve várias explicações. Volodia Teittelboim, colaborador próximo de Luis Corvalan, secretário-geral do Partido Comunista Chileno, afirmou que Borges nunca receberia o Nobel devido à sua polêmica visita ao Chile em 1976. Outra biógrafa, Maria Esther Vázquez, sugeriu uma rivalidade literária com Lundqvist em 1964 como possível motivo.
Em 1976, Saul Bellow foi o laureado pela Academia Sueca pelo "entendimento humano e sutil análise da cultura contemporânea que são combinados em sua obra". Borges brincou que era uma tradição escandinava nomeá-lo, mas premiar outros. O escritor faleceu em 1986 sem ser laureado com o Nobel.
García Márquez, por sua vez, alinhado com a esquerda, criticou Pinochet e enalteceu Castro. Em 1982, ganhou o Nobel de Literatura "pelos seus romances e contos, em que o fantástico e o real se combinam num mundo densamente composto pela imaginação, refletindo a vida e os conflitos de um continente". O autor de Cem Anos de Solidão foi bem recebido pelo establishment intelectual-literário de esquerda, em contraste a Borges.
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