quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A COMPLEXIDADE DE CAPITU: A IMPOSSIBILIDADE DE DESCRIÇÃO EM DOM CASMURRO

O século XIX foi marcado por uma transição literária quando o Romantismo deu lugar ao Realismo, refletindo mudanças sociais, políticas e culturais. 

No início do século XIX, o Romantismo brasileiro estava fortemente embebido de idealismo e subjetividade. Os escritores românticos buscavam expressar as emoções, exaltando o sentimento nacionalista e valorizando a natureza exuberante do Brasil.

O indígena, a natureza selvagem e o amor impossível eram temas recorrentes. A natureza no período romântico era muitas vezes idealizada e personificada como um espelho das emoções humanas. Os escritores fantasiavam a exuberância tropical brasileira e a associavam a sentimentos e estados de espírito.

Ademais, embora o Romantismo brasileiro abordasse questões sociais, como a escravidão, muitas vezes o fazia de maneira irreal e menos crítica. A sociedade era frequentemente retratada de maneira polarizada entre o bem e o mal.

Além disso, personagens arquetípicas, idealizadas e movidas por emoções intensas eram comuns no romantismo. Os heróis românticos muitas vezes enfrentavam desafios épicos, e o amor era frequentemente tratado de maneira fantasiosa e dramática.

Já na segunda metade do século XIX, o Realismo surgiu como uma resposta crítica ao idealismo romântico. Os realistas brasileiros, inspirados pelos ideais científicos e observação objetiva, buscavam retratar a realidade de maneira mais crua e objetiva. A sociedade, suas contradições e a psicologia humana tornaram-se foco central.

No Realismo, a natureza é frequentemente retratada de forma mais objetiva, como um cenário neutro. Os autores realistas brasileiros, como Machado de Assis, afastaram-se da idealização romântica e utilizaram a natureza como um elemento secundário em suas narrativas.

O período realista brasileiro, em oposição ao romântico, era mais engajado em críticas sociais. Autores como Machado de Assis exploraram as desigualdades, a corrupção e as contradições sociais, oferecendo uma visão mais cética e pessimista da sociedade brasileira.

Por sua vez, as personagens realistas eram mais complexas. As narrativas exploraram a psicologia dos personagens de maneira mais profunda, abordando as contradições internas, os conflitos morais e as fraquezas humanas.

Dessa forma, enquanto o Romantismo favorecia descrições exuberantes e idealizadas de personagens, o Realismo buscava uma representação mais fiel da sociedade, focando na análise psicológica e nas denúncias sociais. No entanto, é na obra de Machado de Assis Dom Casmurro que encontramos uma abordagem singular em relação à descrição de personagens, especialmente no caso da enigmática Capitu.


No contexto romântico, obras como Iracema de José de Alencar apresentavam descrições minuciosas, quase pictóricas, dos personagens, enredadas em metáforas e imagens sensoriais. A técnica de Alencar, ao pintar Iracema como "a virgem dos lábios de mel", criava uma aura de encantamento, estimulando a imaginação do leitor e gerando uma conexão emocional com a narrativa.

"Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a corça selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas."

No entanto, Machado de Assis, em Dom Casmurro, adota uma abordagem completamente distinta. O protagonista, Bentinho, descreve Capitu apenas como possuidora de "olhos de ressaca", enquanto o agregado José Dias a caracteriza como tendo "olhos de cigana oblíqua e dissimulada". Essas descrições, longe das elaboradas imagens românticas, são tão ambíguas e enigmáticas quanto a própria imagem que o narrador passa de Capitu.

A impossibilidade de uma descrição detalhada de Capitolina reside na intenção realista de Machado de Assis. Enquanto o Romantismo buscava envolver emocionalmente o leitor com personagens e enredos, o Realismo almejava uma análise mais profunda da psicologia humana e uma exposição crítica da sociedade.

Machado, ao se distanciar do estilo romântico, critica implicitamente a tendência da literatura romântica, assim como fizeram - embora de forma mais explícita - Gustave Flaubert - em Madame Bovary - e Eça de Queirós - em O Primo Basílio. Esses autores exploram as consequências desastrosas de personagens (Emma Bovary e Luisa, respectivamente) que, iludidas por romances românticos, buscam uma realidade inatingível, levando a trágicos casos de adultério e autodestruição.

Ao manter a descrição física de Capitu em moldes mínimos, Machado desafia o leitor a abandonar a superficialidade da imagem externa e a entrar na complexidade da mente dos personagens. Em Dom Casmurro, a verdade sobre Capitu torna-se elusiva, assim como a sua aparência, deixando o leitor com a tarefa de interpretar as nuances e ambiguidades presentes na narrativa. 

Portanto, a impossibilidade de descrever Capitu de maneira definida é antes de tudo um objetivo estético e um propósito narrativo: o que vem à cabeça do leitor quando se lembra de Capitu? Uma complexa personagem em uma narrativa ambígua. Ela é muito mais do que um rostinho bonito, até porque nem seu rosto conhecemos. Mas, apesar disso, é a personagem mais imaginada e discutida de toda a literatura brasileira.

Jason Lima

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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

MARIA EUGÊNIA VAZ FERREIRA: PRIMEIRA POETA INCONFUNDÍVEL URUGUAIA

Maria Eugenia Vaz Ferreira (1875-1924), uma das primeiras grandes poetas uruguaias a ter seus textos publicados, foi uma figura central da generación del 900 em seu país, um período de efervescência literária que moldou a cultura e a essência artística local. Ao lado de Delmira Agustini e Juana de Ibarbourou, ela é considerada uma das principais poetas do Uruguai.


Embora não tenha publicado em vida, sua obra veio a público por meio de seu irmão, Carlos Vaz Ferreira, que compilou e publicou La isla de los cánticos após a morte da autora. Sua poesia intensa e reflexiva centra-se na metafísica, na morte, na solidão e na busca pelo sentido da existência, frequentemente apresentados em um contexto onírico.

Em 1903, Maria Eugenia Vaz Ferreira selecionou cinquenta e um poemas para sua coleção Fuego y Mármol, mas o livro nunca chegou a ser publicado, talvez devido à aversão da autora a certos aspectos da publicidade. Foi somente em 1924, quando sua saúde estava debilitada, que ela escolheu quarenta poemas para La isla de los cánticos. A tragédia recaiu sobre a poeta, e ela faleceu antes que o manuscrito final pudesse ser preparado.

A publicação póstuma de La isla de los cánticos em 1925, conforme a visão de Carlos Vaz Ferreira, marcou o início da preservação do legado literário de Maria Eugenia. A obra permaneceu praticamente desconhecida até 1959, um ano após a morte de Carlos Vaz, quando Emilio Oribe, poeta e filósofo uruguaio, recuperou manuscritos inéditos e publicou La otra isla de los cánticos, adicionando setenta e um poemas não presentes no primeiro livro.

Em 1976, Rubinstein Moreira publicou Aproximación a María Eugenia Vaz Ferreira, uma obra que propõe uma biografia e análises de seus textos.

Hugo J. Verani, em 1986, desempenhou um papel crucial na reabilitação da poesia de Vaz Ferreira ao publicar uma edição anotada de suas coletâneas. Essa edição incluiu 87 poemas previamente não publicados, muitos dos quais Verani rastreou em jornais uruguaios do final do século XIX e início do século XX, além de fragmentos poéticos e composições destinadas a familiares e amigos.

Verani destacou a importância de Maria Eugênia Vaz Ferreira como a primeira mulher uruguaia com uma voz lírica inconfundível. Ele reconhece sua contribuição pioneira ao tematizar as angústias femininas e introduzir o amor como tema literário, prenunciando o lirismo sensual de outras poetisas notáveis, como Delmira Agustini e Juana de Ibarbourou.

O ambiente literário da época, marcado por supressões e preconceitos, pode ter contribuído para os desafios enfrentados por Maria Eugênia. Delmira Agustini, amiga próxima, expressou indignação em relação à demora na publicação dos manuscritos, atribuindo-a a críticas e desaprovação infundadas. A atmosfera de repressão pode ter contribuído para os colapsos mentais de Vaz Ferreira, levando à especulação sobre quem ou o que teria infligido as "derrotas diárias das decepções".

Uma perspectiva intrigante envolve a relação entre Maria Eugênia Vaz Ferreira e seu irmão, Carlos Vaz Ferreira, o qual sustentava que a verdadeira realização feminina residia na maternidade e no casamento. A independência e a sensualidade expressas na poesia de sua irmã poderiam ter sido vistas como desafios a essa filosofia. A não publicação ativa da poesia de Maria Eugênia durante a vida de Carlos sugere a possibilidade de um conflito de visões.


A crítica literária, historicamente negligente em relação a Maria Eugênia Vaz Ferreira, começou a reconhecer sua importância décadas após sua morte. Em 2007, a Modern Language Association of America publicou uma antologia de modernismo hispano-americano em tradução para o inglês, incluindo três poemas de Vaz Ferreira. Essa iniciativa, embora com traduções imperfeitas, contribuiu para apresentar a poesia da autora a um público mais amplo.

A falta de datas em seus poemas complicou a ordenação cronológica de sua obra, mas uma abordagem temática proposta por Arturo Sergio Visca revela quatro séries principais: poemas de amor, angústia, transição e aceitação metafísica.

Portanto, diante do que vimos, Maria Eugênia Vaz Ferreira, uma precursora na expressão literária feminina, merece sem dúvidas uma apreciação mais condizente com a sua importância. Infelizmente, não temos edições em português de sua obra.


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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

MACHADO DE ASSIS E A TEORIA DO MEDALHÃO

O conto "Teoria do Medalhão", elaborado por Machado de Assis, oferece aos leitores uma reflexão sobre as complexas relações sociais e suas convenções. 

A estrutura do conto se destaca pela forma de diálogo entre pai e filho, promovendo uma ambivalência entre a ironia e a realidade. A conversa entre as personagens revela uma linha muitas vezes imperceptível entre as palavras proferidas e a verdade subjacente, fomentando ao leitor uma constante reavaliação das situações apresentadas.


O enredo inicia-se após um jantar comemorativo dos 21 anos do filho, momento que serve como pano de fundo para o aconselhamento paternal. O pai, munido de uma perspicácia ardilosa, orienta o filho a buscar o estatuto de "Medalhão" na sociedade, um indivíduo reconhecido por sua riqueza e fama.

A elaboração da teoria, proposta pelo pai, sugere uma transformação radical na vida do filho. Este deve renunciar seus hábitos, anular seus gostos pessoais e manter-se neutro perante as diversas situações sociais. O pai, através de uma crítica sutil e irônica, expõe a superficialidade da sociedade brasileira, enfatizando a obsessão por aparências e a busca incessante por posições sociais prestigiadas.

A essência do conto reside na crítica contundente de Machado de Assis à sociedade de sua época. O filho, figura central na narrativa, aceita passivamente as imposições do pai, tornando-se um reflexo fiel do papel social que lhe é atribuído. A crítica do autor torna-se atemporal (embora ele não o soubesse quando produziu a obra), pois reflete os dias atuais, que o leitor contemporâneo saberá, sem dúvida, reconhecer.

"Teoria do Medalhão" compartilha elementos temáticos com outros contos do autor como "O Espelho" e "O Segredo do Bonzo". Em ambos, a anulação do indivíduo em prol de uma imagem social idealizada é abordada, evidenciando a consistência de Machado em explorar essa temática recorrente em sua obra.

O três contos nos alertam sobre os perigos de nos perdermos na busca de uma imagem social idealizada e ressaltam a importância de valorizarmos nossa essência e individualidade.

A seguir, coloco o conto completo:


TEORIA DO MEDALHÃO

Machado de Assis

Diálogo

— Estás com sono?

— Não, senhor.

— Nem eu; conversemos um pouco. Abre a janela. Que horas são?

— Onze.

— Saiu o último conviva do nosso modesto jantar. Com que, meu peralta, chegaste aos teus vinte e um anos. Há vinte e um anos, no dia 5 de agosto de 1854, vinhas tu à luz, um pirralho de nada, e estás homem, longos bigodes, alguns namoros…

— Papai…

— Não te ponhas com denguices, e falemos como dois amigos sérios. Fecha aquela porta; vou dizer-te coisas importantes. Senta-te e conversemos. Vinte e um anos, algumas apólices, um diploma, podes entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. Há infinitas carreiras diante de ti. Vinte e um anos, meu rapaz, formam apenas a primeira sílaba do nosso destino. Os mesmos Pitt e Napoleão, apesar de precoces, não foram tudo aos vinte e um anos. Mas, qualquer que seja a profissão da tua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum. A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. Isto é a vida; não há planger, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e desdouros, e ir por diante.

— Sim, senhor.

— Entretanto, assim como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição. É isto o que te aconselho hoje, dia da tua maioridade.

— Creia que lhe agradeço; mas que ofício, não me dirá?

— Nenhum me parece mais útil e cabido que o de medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém, as instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti. Ouve-me bem, meu querido filho, ouve-me e entende. És moço, tens naturalmente o ardor, a exuberância, os improvisos da idade; não os rejeites, mas modera-os de modo que aos quarenta e cinco anos possas entrar francamente no regímen do aprumo e do compasso. O sábio que disse: “a gravidade é um mistério do corpo”, definiu a compostura do medalhão. Não confundas essa gravidade com aquela outra que, embora resida no aspecto, é um puro reflexo ou emanação do espírito; essa é do corpo, tão-somente do corpo, um sinal da natureza ou um jeito da vida. Quanto à idade de quarenta e cinco anos…

— É verdade, por que quarenta e cinco anos?

— Não é, como podes supor, um limite arbitrário, filho do puro capricho; é a data normal do fenômeno. Geralmente, o verdadeiro medalhão começa a manifestar-se entre os quarenta e cinco e cinqüenta anos, conquanto alguns exemplos se dêem entre os cinqüenta e cinco e os sessenta; mas estes são raros. Há-os também de quarenta anos, e outros mais precoces, de trinta e cinco e de trinta; não são, todavia, vulgares. Não falo dos de vinte e cinco anos: esse madrugar é privilégio do gênio.

— Entendo.

— Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas idéias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente; coisa que entenderás bem, imaginando, por exemplo, um ator defraudado do uso de um braço. Ele pode, por um milagre de artifício, dissimular o defeito aos olhos da platéia; mas era muito melhor dispor dos dois. O mesmo se dá com as idéias; pode-se, com violência, abafá-las, escondê-las até à morte; mas nem essa habilidade é comum, nem tão constante esforço conviria ao exercício da vida.

— Mas quem lhe diz que eu…

— Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. Não me refiro tanto à fidelidade com que repetes numa sala as opiniões ouvidas numa esquina, e vice-versa, porque esse fato, posto indique certa carência de idéias, ainda assim pode não passar de uma traição da memória. Não; refiro-me ao gesto correto e perfilado com que usas expender francamente as tuas simpatias ou antipatias acerca do corte de um colete, das dimensões de um chapéu, do ranger ou calar das botas novas. Eis aí um sintoma eloqüente, eis aí uma esperança. No entanto, podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas idéias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito. As idéias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as sofremos, elas irrompem e precipitam-se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo faro é extremamente delicado, distingue o medalhão completo do medalhão incompleto.

— Creio que assim seja; mas um tal obstáculo é invencível.

— Não é; há um meio; é lançar mão de um regímen debilitante, ler compêndios de retórica, ouvir certos discursos, etc. O voltarete, o dominó e o whist são remédios aprovados. O whist tem até a rara vantagem de acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspecção. Não digo o mesmo da natação, da equitação e da ginástica, embora elas façam repousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fazem repousar, restituem-lhe as forças e a atividade perdidas. O bilhar é excelente.

— Como assim, se também é um exercício corporal?

— Não digo que não, mas há coisas em que a observação desmente a teoria. Se te aconselho excepcionalmente o bilhar é porque as estatísticas mais escrupulosas mostram que três quartas partes dos habituados do taco partilham as opiniões do mesmo taco. O passeio nas ruas, mormente nas de recreio e parada é utilíssimo, com a condição de não andares desacompanhado, porque a solidão é oficina de idéias, e o espírito deixado a si mesmo, embora no meio da multidão, pode adquirir uma tal ou qual atividade.

— Mas se eu não tiver à mão um amigo apto e disposto a ir comigo?

— Não faz mal; tens o valente recurso de mesclar-te aos pasmatórios, em que toda a poeira da solidão se dissipa. As livrarias, ou por causa da atmosfera do lugar, ou por qualquer outra razão que me escapa, não são propícias ao nosso fim; e, não obstante, há grande conveniência em entrar por elas, de quando em quando, não digo às ocultas, mas às escâncaras. Podes resolver a dificuldade de um modo simples: vai ali falar do boato do dia, da anedota da semana, de um contrabando, de uma calúnia, de um cometa, de qualquer coisa, quando não prefiras interrogar diretamente os leitores habituais das belas crônicas de Mazade; 75 por cento desses estimáveis cavalheiros repetir-te-ão as mesmas opiniões, e uma tal monotonia é grandemente saudável. Com este regímen, durante oito, dez, dezoito meses — suponhamos dois anos, — reduzes o intelecto, por mais pródigo que seja, à sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio comum. Não trato do vocabulário, porque ele está subentendido no uso das idéias; há de ser naturalmente simples, tíbio, apoucado, sem notas vermelhas, sem cores de clarim…

— Isto é o diabo! Não poder adornar o estilo, de quando em quando…

— Podes; podes empregar umas quantas figuras expressivas, a hidra de Lerna, por exemplo, a cabeça de Medusa, o tonel das Danaides, as asas de Ícaro, e outras, que românticos, clássicos e realistas empregam sem desar, quando precisam delas. Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento. Caveant, consules é um excelente fecho de artigo político; o mesmo direi do Si vis pacem para bellum. Alguns costumam renovar o sabor de uma citação intercalando-a numa frase nova, original e bela, mas não te aconselho esse artifício; seria desnaturar-lhe as graças vetustas. Melhor do que tudo isso, porém, que afinal não passa de mero adorno, são as frases feitas, as locuções convencionais, as fórmulas consagradas pelos anos, incrustadas na memória individual e pública. Essas fórmulas têm a vantagem de não obrigar os outros a um esforço inútil. Não as relaciono agora, mas fá-lo-ei por escrito. De resto, o mesmo ofício te irá ensinando os elementos dessa arte difícil de pensar o pensado. Quanto à utilidade de um tal sistema, basta figurar uma hipótese. Faz-se uma lei, executa-se, não produz efeito, subsiste o mal. Eis aí uma questão que pode aguçar as curiosidades vadias, dar ensejo a um inquérito pedantesco, a uma coleta fastidiosa de documentos e observações, análise das causas prováveis, causas certas, causas possíveis, um estudo infinito das aptidões do sujeito reformado, da natureza do mal, da manipulação do remédio, das circunstâncias da aplicação; matéria, enfim, para todo um andaime de palavras, conceitos, e desvarios. Tu poupas aos teus semelhantes todo esse imenso aranzel, tu dizes simplesmente: Antes das leis, reformemos os costumes! — E esta frase sintética, transparente, límpida, tirada ao pecúlio comum, resolve mais depressa o problema, entra pelos espíritos como um jorro súbito de sol.

— Vejo por aí que vosmecê condena toda e qualquer aplicação de processos modernos.

— Entendamo-nos. Condeno a aplicação, louvo a denominação. O mesmo direi de toda a recente terminologia científica; deves decorá-la. Conquanto o rasgo peculiar do medalhão seja uma certa atitude de deus Término, e as ciências sejam obra do movimento humano, como tens de ser medalhão mais tarde, convém tomar as armas do teu tempo. E de duas uma: — ou elas estarão usadas e divulgadas daqui a trinta anos, ou conservar-se-ão novas: no primeiro caso, pertencem-te de foro próprio; no segundo, podes ter a coquetice de as trazer, para mostrar que também és pintor. De oitiva, com o tempo, irás sabendo a que leis, casos e fenômenos responde toda essa terminologia; porque o método de interrogar os próprios mestres e oficiais da ciência, nos seus livros, estudos e memórias, além de tedioso e cansativo, traz o perigo de inocular idéias novas, e é radicalmente falso. Acresce que no dia em que viesses a assenhorear-te do espírito daquelas leis e fórmulas, serias provavelmente levado a empregá-las com um tal ou qual comedimento, como a costureira — esperta e afreguesada, — que, segundo um poeta clássico,

Quanto mais pano tem, mais poupa o corte,
Menos monte alardeia de retalhos;
 

e este fenômeno, tratando-se de um medalhão, é que não seria científico.

— Upa! que a profissão é difícil.

— E ainda não chegamos ao cabo.

— Vamos a ele.

— Não te falei ainda dos benefícios da publicidade. A publicidade é uma dona loureira e senhoril, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição. Que D. Quixote solicite os favores dela mediante ações heróicas ou custosas é um sestro próprio desse ilustre lunático. O verdadeiro medalhão tem outra política. Longe de inventar um Tratado Científico da Criação dos Carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos. Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo. Comissões ou deputações para felicitar um agraciado, um benemérito, um forasteiro, têm singulares merecimentos, e assim as irmandades e associações diversas, sejam mitológicas, cinegéticas ou coreográficas. Os sucessos de certa ordem, embora de pouca monta, podem ser trazidos a lume, contanto que ponham em relevo a tua pessoa. Explico-me. Se caíres de um carro, sem outro dano, além do susto, é útil mandá-lo dizer aos quatro ventos, não pelo fato em si, que é insignificante, mas pelo efeito de recordar um nome caro às afeições gerais. Percebeste?

— Percebi.

— Essa é publicidade constante, barata, fácil, de todos os dias; mas há outra. Qualquer que seja a teoria das artes, é fora de dúvida que o sentimento da família, a amizade pessoal e a estima pública instigam à reprodução das feições de um homem amado ou benemérito. Nada obsta a que sejas objeto de uma tal distinção, principalmente se a sagacidade dos amigos não achar em ti repugnância. Em semelhante caso, não só as regras da mais vulgar polidez mandam aceitar o retrato ou o busto, como seria desazado impedir que os amigos o expusessem em qualquer casa pública. Dessa maneira o nome fica ligado à pessoa; os que houverem lido o teu recente discurso (suponhamos) na sessão inaugural da União dos Cabeleireiros, reconhecerão na compostura das feições o autor dessa obra grave, em que a “alavanca do progresso” e o “suor do trabalho” vencem as “fauces hiantes” da miséria. No caso de que uma comissão te leve à casa o retrato, deves agradecer-lhe o obséquio com um discurso cheio de gratidão e um copo d’água: é uso antigo, razoável e honesto. Convidarás então os melhores amigos, os parentes, e, se for possível, uma ou duas pessoas de representação. Mais. Se esse dia é um dia de glória ou regozijo, não vejo que possas, decentemente, recusar um lugar à mesa aos reporters dos jornais. Em todo o caso, se as obrigações desses cidadãos os retiverem noutra parte, podes ajudá-los de certa maneira, redigindo tu mesmo a notícia da festa; e, dado que por um tal ou qual escrúpulo, aliás desculpável, não queiras com a própria mão anexar ao teu nome os qualificativos dignos dele, incumbe a notícia a algum amigo ou parente.

— Digo-lhe que o que vosmecê me ensina não é nada fácil.

— Nem eu te digo outra coisa. É difícil, come tempo, muito tempo, leva anos, paciência, trabalho, e felizes os que chegam a entrar na terra prometida! Os que lá não penetram, engole-os a obscuridade. Mas os que triunfam! E tu triunfarás, crê-me. Verás cair as muralhas de Jericó ao som das trompas sagradas. Só então poderás dizer que estás fixado. Começa nesse dia a tua fase de ornamento indispensável, de figura obrigada, de rótulo. Acabou-se a necessidade de farejar ocasiões, comissões, irmandades; elas virão ter contigo, com o seu ar pesadão e cru de substantivos desadjetivados, e tu serás o adjetivo dessas orações opacas, o odorífero das flores, o anilado dos céus, o prestimoso dos cidadãos, o noticioso e suculento dos relatórios. E ser isso é o principal, porque o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário.

— E parece-lhe que todo esse ofício é apenas um sobressalente para os deficits da vida?

— Decerto; não fica excluída nenhuma outra atividade.

— Nem política?

— Nem política. Toda a questão é não infringir as regras e obrigações capitais. Podes pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador, republicano ou ultramontano, com a cláusula única de não ligar nenhuma ideia especial a esses vocábulos, e reconhecer-lhe somente a utilidade do scibboleth bíblico.

— Se for ao parlamento, posso ocupar a tribuna?

— Podes e deves; é um modo de convocar a atenção pública. Quanto à matéria dos discursos, tens à escolha: — ou os negócios miúdos, ou a metafísica política, mas prefere a metafísica. Os negócios miúdos, força é confessá-lo, não desdizem daquela chateza de bom-tom, própria de um medalhão acabado; mas, se puderes, adota a metafísica; — é mais fácil e mais atraente. Supõe que deseja saber por que motivo a 7ª companhia de infantaria foi transferida de Uruguaiana para Canguçu; serás ouvido tão-somente pelo Ministro da Guerra, que te explicará em dez minutos as razões desse ato. Não assim a metafísica. Um discurso de metafísica política apaixona naturalmente os partidos e o público, chama os apartes e as respostas. E depois não obriga a pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está achado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória. Em todo caso, não transcendas nunca os limites de uma invejável vulgaridade.

— Farei o que puder. Nenhuma imaginação?

— Nenhuma; antes faze correr o boato de que um tal dom é ínfimo.

— Nenhuma filosofia?

— Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade nada. “Filosofia da história”, por exemplo, é uma locução que deves empregar com frequência, mas proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc.

— Também ao riso?

— Como ao riso?

— Ficar sério, muito sério…

— Conforme. Tens um gênio folgazão, prazenteiro, não hás de sofreá-lo nem eliminá-lo; podes brincar e rir alguma vez. Medalhão não quer dizer melancólico. Um grave pode ter seus momentos de expansão alegre. Somente, — e este ponto é melindroso…

— Diga.

— Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados. Não. Usa antes a chalaça, a nossa boa chalaça amiga, gorducha, redonda, franca, sem biocos, nem véus, que se mete pela cara dos outros, estala como uma palmada, faz pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os suspensórios. Usa a chalaça. Que é isto?

— Meia-noite.

— Meia-noite? Entras nos teus vinte e dois anos, meu peralta; estás definitivamente maior. Vamos dormir, que é tarde. Rumina bem o que te disse, meu filho. Guardadas as proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe de Machiavelli. Vamos dormir.

Papéis Avulsos, 1882.


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RUBEM FONSECA E UMA ANÁLISE DE JACK, O ESTRIPADOR

Na crônica "Jack, o Estripador", do livro O romance morreu, Rubem Fonseca discute sobre a figura histórica e mítica do lendário assassino em série que aterrorizou Londres no final do século XIX e sobre sua influência na cultura popular, na literatura e no cinema. Para o autor, além de ser um criminoso real, Jack é também um símbolo da violência, do medo, do mistério e da fascinação que o mal exerce sobre a imaginação humana.

Veja abaixo a crônica completa:


JACK, O ESTRIPADOR

Assassinos em série, ou serial killers, existem no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Entre os nossos podemos citar Febrônio, talvez o mais antigo de todos, Francisco Rocha, Chico do Picadinho, Marcelo Costa, o Vampiro de Niterói, Pedro Rodrigues, Pedrinho Matador, Francisco de Assis Pereira, o motoboy conhecido como Maníaco do Parque. Todos acabaram identificados e presos e gozaram, os daqui e os do exterior, de uma fama instantânea e evanescente. Mas um deles, que aterrorizou a cidade de Londres e nunca foi identificado ou preso, mantém a sua fama há 118 anos. Seu apelido: Jack the Ripper. Ele matava prostitutas e as estripava, ou seja, arrancava-lhes as tripas, daí o seu apelido, Estripador.

Há mais de um século, portanto, são realizadas especulações sobre quem seria o Estripador. Inúmeros livros foram escritos, reportagens foram realizadas, filmes foram produzidos sobre esse personagem, uns contradizendo os outros. Sua identidade e motivações ainda não foram estabelecidas de maneira irretorquível. Só existe acordo quanto ao seu modus operandi

Tudo indica que o Estripador pagava para praticar coito anal com a prostituta — isso era feito na rua, sim, na Londres daquele tempo não havia motéis ou outros locais mais adequados para esse tipo de atividade — e no momento em que ela se curvava levantando as saias com as duas mãos, o assassino se aproveitava da situação indefesa da mulher para estrangulá-la. Ele não chegava a ter relações sexuais com a puta, nem se masturbava sobre o cadáver.

Depois de matá-la, o Estripador estendia sua vítima no chão, em decúbito dorsal, e começava por cortar-lhe a garganta. Em seguida retirava uma das suas vísceras, ao mesmo tempo troféu e assinatura, a comprovação do seu triunfo. O exame dos corpos das suas cinco (pelo menos) vítimas levou os legistas à conclusão de que ele tinha algum conhecimento de anatomia, pois a remoção do órgão era feita de maneira hábil, fosse um rim, o fígado ou os órgãos genitais.

Era assim que ele operava. Mas quem era ele?

Seria M.J. Druitt, que uns dizem ter sido advogado, outros que era um médico? Não, muito improvável, segundo a maioria das pesquisas.

Aaron Kosminiski, o judeu polonês que logo após os crimes foi internado num asilo de loucos? Podemos tirá-lo da lista de suspeitos.

Michael Ostrog? Era apenas um maluco.

Em 1970 surgiu a teoria de que o Estripador era o neto da rainha Vitória, o príncipe Albert Victor, duque de Clarence e Avondale. Essa tese era muito atraente, permitia visões conspiratórias, a própria polícia teria encoberto as pistas que levariam ao príncipe etc. Durante um longo tempo muita gente acreditou (e acredita ainda) que o príncipe foi de fato o Estripador.

A teoria moderna mais interessante é a da escritora de ficção Patricia Cornwell, que escreveu uma tese sobre o assunto.

Consagrada autora de romances policiais, ela sempre foi muito atraída pelo mistério de Jack, o Estripador. Depois de uma minuciosa pesquisa, na qual, segundo consta, despendeu mais de seis milhões de dólares, Patricia Cornwell escreveu o livro Retrato de um assassino — Jack, o Estripador: caso encerrado.

No livro, publicado no início do século XXI, ela afirma que o Estripador é Walter Richard Sickert, nascido em 1860, em Munique, conhecido pintor impressionista que retratava prostitutas ameaçadas por homens sinistros, frequentador da sociedade londrina, discípulo de Whistler e amigo de Degas. Segundo as pesquisas que a equipe de Patricia realizou, Sickert tinha personalidade psicopática, era um homem bonito e charmoso, gostava de manipular as mulheres.

Uma parte do dinheiro gasto pela escritora foi usada em testes de DNA, no caso DNA mitocondrial, que dura mais do que o DNA nuclear, ainda que não seja tão confiável. Também o exame das cartas que o Estripador teria escrito mostra que o papel era idêntico ao das cartas de Sickert. O exame grafotécnico comprova que a letra dos dois, do criminoso e do suspeito, era semelhante. Muitas outras pesquisas foram realizadas pelos peritos contratados por Patricia Cornwell, todas reforçando a sua teoria.


Muita gente acredita que a tese de Patricia Cornwell encerra o assunto. Tenho dúvidas, não creio que seja “a closed case”, como ela afirma, e não me surpreenderei se outras teses, também aparentemente verdadeiras, surgirem no futuro.

Finalmente, qual a motivação de Jack, o Estripador? As mulheres escolhidas eram prostitutas por serem mais fáceis de matar ou porque ele era um moralista que estava ministrando o castigo que elas mereciam?

Os modernos estudos sobre o perfil dos serial killers indicam que eles, em sua maioria, são homens brancos, com QI acima da média, desajustados no trabalho e na escola, de famílias instáveis, mães dominadoras, que odeiam os pais, vítimas de abusos — psicológicos, físicos e/ou sexuais — quando crianças, com tendências voyeuristas, fetichistas e piromaníacas, propensões suicidas, interessados em pornografia sadomasoquista, que padeceram de enurese (urinavam na cama quando crianças) e começaram suas carreiras torturando animais.

Todos nós conhecemos pessoas que se enquadram nesse perfil. Não? 

Rubem Fonseca


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Jason Lima



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Referência do texto:
FONSECA, Rubem. O romance morreu: crônicas. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

RESUMO: "Para ler como um escritor", de Francine Prose

RESUMO




Para ler como um escritor:
um guia para quem gosta de livros e para quem quer escrevê-los
Francine Prose


APRESENTAÇÃO, por Italo Moriconi

A apresentação começa com uma breve descrição do livro de Francine Prose. O autor da apresentação, Italo Moriconi, destaca que o livro é uma viagem visceral por obras-primas da literatura, que ensina a ler com atenção, a extrair lições de grandes escritores e a desenvolver a sensibilidade e a técnica literárias.

Em seguida, o autor situa o livro de Francine Prose no contexto cultural e acadêmico dos Estados Unidos e do Brasil, comparando e contrastando as diferenças entre os dois países em relação ao mercado editorial, à formação de escritores e leitores, aos cursos de criação literária e à crítica literária. Ele aponta as vantagens e desvantagens dos modelos anglo-saxônico e brasileiro, e ressalta a importância de se ampliar as possibilidades de aprendizagem e diálogo entre as duas culturas.

Também faz referência a alguns antecedentes e contemporâneos do livro de Francine Prose, como Aspects of the Novel, de E.M. Forster, e as obras de Harold Bloom. Ele mostra como o livro de Francine Prose se diferencia desses autores, tanto pela abordagem mais prática e menos teórica, quanto pela escolha mais pessoal e menos canônica dos exemplos literários. Ele também elogia a flexibilidade e a liberdade que o livro de Francine Prose oferece ao leitor, sem impor regras ou dogmas sobre a escrita.

Por fim, o autor da apresentação apresenta a estrutura e o conteúdo do livro de Francine Prose, que é dividido em onze capítulos, cada um dedicado a um aspecto da escrita, como palavras, frases, parágrafos, narração, personagem, diálogo, detalhes, gesto, etc. Ele explica que o livro é baseado na análise de trechos de obras de diversos autores, que servem como exemplos e modelos para o leitor. Também destaca que o livro é escrito a partir da experiência pessoal da autora como escritora e professora de criação literária, o que confere ao texto um tom ao mesmo tempo ensaístico e memorialístico.



CAPÍTULO 1 - LEITURA ATENTA

O capítulo 1 tem como objetivo apresentar a importância da leitura atenta como uma forma de aprender a escrever e de apreciar a literatura. A autora defende que os escritores se inspiram e se instruem pelos livros que admiram e que os leitores devem prestar atenção à linguagem, ao estilo, à estrutura e aos efeitos que os autores empregam em suas obras.

Francine narra sua própria trajetória como leitora e escritora, desde a infância até a vida adulta, destacando os momentos em que descobriu o prazer, o desafio e a utilidade da leitura atenta. Ela cita exemplos de livros e autores que a influenciaram, que a ensinaram algo sobre a arte da ficção, ou que a ajudaram a superar dificuldades em seu próprio trabalho. Também relata sua experiência como professora de escrita criativa e de literatura, e como mudou sua metodologia de ensino para enfatizar a leitura palavra por palavra, frase por frase, dos textos literários.

A seguir, Francine Prose critica a forma como a teoria literária acadêmica, especialmente a partir da década de 1980, se afastou da apreciação da literatura como arte e passou a se concentrar em questões políticas, ideológicas e contextuais, ignorando ou desvalorizando a linguagem, a forma e a imaginação dos escritores. Ela afirma que essa abordagem torna a leitura estressante, desprazerosa e limitada e que prejudica a formação dos escritores e dos leitores qualificados. Ela defende que a leitura atenta, que se baseia na análise do texto em si, sem preconceitos ou agendas, é mais adequada para revelar a beleza, a complexidade e a diversidade da literatura.

Ao fim do capítulo, a autora encerra-o com algumas sugestões para os leitores que desejam praticar a leitura atenta e melhorar sua compreensão e seu gosto pela literatura. Recomenda que os leitores leiam com uma caneta na mão, sublinhando, anotando, questionando e comentando o texto. Ela também sugere que releiam os livros que gostaram, para descobrir novos aspectos, sentidos e efeitos que não haviam percebido antes. Francine ainda aconselha que leiam com curiosidade, abertura e humildade, reconhecendo o valor e a originalidade dos escritores, e evitando julgamentos apressados ou comparativos. Por fim, ela afirma que os leitores devem ler por prazer, por amor à linguagem e à literatura, e não por obrigação ou por pressão externa.


CAPÍTULO 2 - PALAVRAS

O capítulo 2 trata da importância da escolha das palavras na construção de um texto literário. A autora defende que as palavras são os elementos básicos da ficção e que cada uma delas deve ser cuidadosamente selecionada para transmitir o sentido, o tom e o ritmo desejados pelo escritor. Ela ilustra sua argumentação com exemplos de obras de autores consagrados, como Flaubert, Joyce, Nabokov, Orwell, entre outros, mostrando como eles usam as palavras de forma precisa, criativa e expressiva. Também alerta para os perigos de usar palavras vagas, clichês, jargões, modismos e eufemismos, que podem comprometer a qualidade e a originalidade do texto. Além disso, Francine sugere alguns exercícios práticos para os leitores que querem se tornar escritores, como copiar trechos de seus autores favoritos, ampliar ou reduzir o vocabulário de um texto, e observar as palavras que usam no dia a dia.

A autora afirma que as palavras devem ser escolhidas com base no seu significado exato, e não no seu som ou na sua aparência. Ela cita o exemplo de Flaubert, que passava horas procurando a palavra certa para cada frase, e de Orwell, que criticava o uso de palavras imprecisas que obscureciam o pensamento.

Francine Prose discute como as palavras podem criar uma ilusão de realidade ou de ficção, dependendo de como elas se relacionam com as coisas que nomeiam. Ela destaca o caso de Nabokov, que usava as palavras para criar um mundo imaginário, cheio de detalhes e cores, e o contrapõe ao de Hemingway, que usava as palavras para descrever um mundo concreto, com simplicidade e objetividade.

A autora ressalta ainda que as palavras também têm um valor sonoro, que pode influenciar o ritmo, a melodia e a harmonia do texto. Ela exemplifica com o caso de Joyce, que usava as palavras para criar efeitos de som, como aliterações, assonâncias, rimas e onomatopeias, e o de Faulkner, que usava as palavras para criar uma cadência própria, que imitava a fala dos personagens.

Por fim, a escritora observa que as palavras estão em constante mudança, e que os escritores devem estar atentos às transformações que elas sofrem ao longo do tempo e do espaço. Ela menciona o exemplo de Shakespeare, que inventou muitas palavras novas, e o de Twain, que usou as palavras para retratar as diferenças regionais e sociais da língua inglesa.


CAPÍTULO 3 - FRASES

O capítulo 3 aborda o tema das frases, que são os elementos básicos da prosa. A autora explora como os grandes escritores usam as frases para criar efeitos diversos, como ritmo, humor, tensão, emoção, clareza e beleza. Ela analisa exemplos de frases curtas e longas, simples e complexas, diretas e indiretas, e mostra como elas contribuem para a voz e o estilo do autor. Também oferece dicas e exercícios para os leitores que querem melhorar suas próprias frases, como ler em voz alta, prestar atenção à pontuação, variar a estrutura e o vocabulário, e evitar os clichês e os vícios de linguagem.

As frases são as unidades de significado da prosa, e devem ser lidas com atenção e apreciação, tanto pelo prazer estético quanto pelo aprendizado técnico.

Elas podem ser classificadas de acordo com seu comprimento, sua forma, sua função, seu tom e seu propósito. Cada tipo de frase tem suas vantagens e desvantagens, e deve ser usado de acordo com o efeito desejado pelo autor.

As frases curtas são eficazes para criar impacto, urgência, simplicidade e precisão. Podem ser usadas para destacar uma ideia, um fato, um sentimento ou uma ação. Elas também podem ser usadas para criar contraste ou quebrar a monotonia de frases longas. As frases longas são eficazes para criar fluxo, complexidade, nuance e riqueza. Podem ser usadas para desenvolver uma ideia, um argumento, uma descrição ou uma narração. Elas também podem ser usadas para criar ritmo, harmonia ou suspense.

As frases simples são aquelas que têm apenas um sujeito e um predicado, e expressam uma ideia completa. São claras, diretas e fáceis de entender. Elas podem ser usadas para afirmar, negar, perguntar ou ordenar algo. Já as complexas são aquelas que têm mais de um sujeito e/ou predicado, e expressam uma ideia principal e uma ou mais ideias secundárias. Elas são mais elaboradas, indiretas e difíceis de entender. Elas podem ser usadas para explicar, comparar, contrastar, condicionar ou subordinar algo.

As frases diretas são aquelas que usam a ordem natural dos termos, que é sujeito + predicado + complementos. Elas são mais comuns, naturais e lógicas. Podem ser usadas para transmitir informação, objetividade e confiança. Por outro lado, as frases indiretas são aquelas que usam a ordem inversa ou alterada dos termos, que é predicado + sujeito + complementos, ou qualquer outra variação. Elas são mais raras, artificiais e surpreendentes. Podem ser usadas para enfatizar, dramatizar, ironizar ou questionar algo.

O tom das frases é a atitude ou o sentimento que elas transmitem, que pode ser positivo ou negativo, formal ou informal, sério ou humorístico, etc. O tom depende da escolha das palavras, da pontuação, da entonação e do contexto. Esse aspecto pode influenciar o humor, a emoção, a opinião e a reação do leitor.

Por fim, o propósito das frases é a intenção ou o objetivo que elas têm, que pode ser informar, persuadir, entreter, emocionar, etc. Depende do gênero, do público, do tema e da mensagem do texto. O propósito pode determinar a estrutura, o conteúdo, o estilo e a eficácia do texto.


CAPÍTULO 4 - PARÁGRAFOS

A autora começa o capítulo 4 explicando como os parágrafos são essenciais para a estrutura e o ritmo de um texto, e como eles podem criar efeitos variados de acordo com o seu tamanho, forma e conteúdo. Ela cita exemplos de autores que usam parágrafos longos, curtos, únicos ou múltiplos para transmitir diferentes sensações e significados ao leitor.

Francine discute as principais funções dos parágrafos, que são: introduzir, desenvolver, concluir, transitar, contrastar, enfatizar e surpreender. Ela mostra como cada função pode ser realizada de maneiras diferentes, dependendo do estilo e da intenção do escritor. Também destaca a importância de manter a unidade e a coerência dos parágrafos, evitando desvios ou repetições desnecessárias.

Além disso, a autora analisa os elementos que compõem um parágrafo, como a frase-tópico, as frases de apoio, as frases de transição e a frase-conclusão. Ela explica como esses elementos podem ser organizados de forma indutiva ou dedutiva, e como eles podem ser conectados por meio de palavras-chave, pronomes, sinônimos, conjunções e pontuação. Também dá dicas de como variar o comprimento e a estrutura das frases para evitar a monotonia e aumentar o interesse do leitor.

Por fim, a escritora encerra o capítulo dando algumas orientações de como revisar os parágrafos, buscando melhorar a clareza, a precisão, a concisão, a fluência e a originalidade do texto. Sugere que o escritor se coloque no lugar do leitor, verifique se os parágrafos estão bem organizados, se eles cumprem as suas funções, se eles estão ligados entre si, se eles usam as palavras adequadas e se eles expressam a voz e o propósito do escritor. Ela também recomenda que o escritor peça a opinião de outras pessoas, leia o texto em voz alta e faça as alterações necessárias.


CAPÍTULO 5 - NARRAÇÃO

A autora define narração como a arte de contar uma história, de escolher o que mostrar e o que omitir, de controlar o ritmo e o tom, de criar uma voz que conduza o leitor pelo texto. Ela afirma que a narração é uma questão de escolhas, e que cada escolha tem consequências para a forma e o significado da obra.

Francine discute os diferentes tipos de narradores que um escritor pode usar, como o narrador onisciente, o narrador limitado, o narrador em primeira pessoa, o narrador não confiável, o narrador coletivo, o narrador intruso, entre outros. Explica as vantagens e desvantagens de cada um, e como eles afetam a relação entre o escritor, o narrador, os personagens e o leitor.

A escritora analisa vários exemplos de narração de obras de autores consagrados, como Jane Austen, Gustave Flaubert, Leo Tolstoy, Anton Chekhov, Ernest Hemingway, Virginia Woolf, Gabriel García Márquez, entre outros. Ela mostra como eles usam a narração para criar efeitos diversos, como ironia, humor, suspense, emoção, crítica, reflexão, etc. Também destaca as técnicas que eles empregam, como o ponto de vista, o foco narrativo, o discurso direto e indireto, o fluxo de consciência, a analepse e a prolepse, etc.

Por fim, a autora oferece alguns conselhos para escritores que querem melhorar sua narração, como ler atentamente os mestres da narrativa, experimentar diferentes tipos de narradores, observar os detalhes da vida real, evitar clichês e redundâncias, variar o ritmo e a estrutura das frases, usar a narração para revelar o caráter dos personagens, e acima de tudo, ser fiel à sua própria voz e visão.


CAPÍTULO 6 - PERSONAGEM

O capítulo 6 fala acerca do tema do personagem na ficção. A autora discute como os escritores criam personagens memoráveis, complexos e verossímeis, usando exemplos de obras clássicas e contemporâneas. A análise detalhada e aprofundada do capítulo pode ser organizada em quatro pontos principais:

  • A importância da observação: Prose afirma que os escritores devem ser observadores atentos da vida real, captando os detalhes, os gestos, as falas e as contradições que revelam a personalidade e a história das pessoas. Ela cita como exemplos a descrição física e psicológica de Emma Bovary, de Flaubert, e a apresentação de Humbert Humbert, de Nabokov, que usam a observação para criar personagens críveis e convincentes.
  • A função do diálogo: Francine analisa como o diálogo pode servir para caracterizar os personagens, mostrar suas relações, avançar a trama e criar tensão dramática. Destaca como os escritores usam o diálogo para revelar o que os personagens pensam, sentem, querem e escondem, sem recorrer a explicações ou comentários do narrador. Ela exemplifica com trechos de romances de Jane Austen, Henry James, Ernest Hemingway e Raymond Carver, que mostram a habilidade de criar diálogos naturais, expressivos e significativos.
  • A escolha do ponto de vista: a autora explora como o ponto de vista pode influenciar a forma como os personagens são retratados e percebidos pelo leitor. Compara as vantagens e desvantagens de usar a primeira ou a terceira pessoa, a narração onisciente ou limitada, a perspectiva única ou múltipla. Ela ilustra com passagens de romances de Leo Tolstoy, Virginia Woolf, William Faulkner e Philip Roth, que demonstram a variedade e a complexidade de escolher um ponto de vista adequado para a história e os personagens.
  • A construção do arco narrativo: Prose examina como os personagens se desenvolvem ao longo da narrativa, sofrendo mudanças, conflitos, crises e transformações. Ressalta como os escritores criam o arco narrativo dos personagens, fazendo-os evoluir de forma coerente, surpreendente e emocionante. Ela exemplifica com fragmentos de romances de Gustave Flaubert, Charles Dickens, Edith Wharton e J.D. Salinger, que mostram como os personagens crescem, amadurecem, se arrependem ou se redimem ao longo da ficção.


CAPÍTULO 7 - DIÁLOGO

Nesta seção, a autora define o diálogo como uma forma de representar a fala dos personagens, que pode ter diversas funções na narrativa, como revelar a personalidade, o conflito, a informação, o humor, o ritmo e a tensão. Ela também discute os desafios e as técnicas de escrever um bom diálogo, como evitar a redundância, a artificialidade, a exposição forçada e o uso excessivo de marcadores e modificações.

Prose analisa alguns trechos de obras literárias que demonstram o uso eficaz e criativo do diálogo, como Madame Bovary, de Gustave Flaubert, O sol é para todos, de Harper Lee, Lolita, de Vladimir Nabokov, e O apanhador no campo de centeio, de J.D. Salinger. Ela destaca como esses autores conseguem criar vozes distintas e memoráveis para seus personagens, transmitir subtextos e emoções, criar contraste e ironia, e avançar a trama e o tema através do diálogo.

Além disso, Francine oferece algumas sugestões e atividades práticas para os leitores que querem aprimorar suas habilidades de escrever diálogos, como ler em voz alta, observar e ouvir as pessoas falando, gravar e transcrever conversas reais, imitar o estilo de outros escritores, e revisar e editar os próprios diálogos. Ela também recomenda alguns livros e autores que são mestres no uso do diálogo, como Anton Tchekhov, Ernest Hemingway, Raymond Carver, Alice Munro, entre outros.


CAPÍTULO 8 - DETALHES

O capítulo 8 aborda a importância dos detalhes na construção de uma obra literária. A autora defende que os detalhes são essenciais para criar uma atmosfera, um cenário, um personagem, um conflito, um tema e um estilo. Ela afirma que os detalhes não são meros adornos, mas sim elementos que revelam o significado e a intenção do escritor. 

Prose explica que os escritores devem selecionar os detalhes que mais contribuem para o efeito desejado, evitando os que são irrelevantes, redundantes ou falsos. Ela cita exemplos de autores como Flaubert, Chekhov, Joyce, Nabokov e Carver, que usam os detalhes com precisão e propósito, criando imagens vívidas e sugestivas.

A escritora analisa como os detalhes podem servir para diferentes funções narrativas, como caracterizar os personagens, estabelecer o tom, criar o clima, desenvolver o enredo, sugerir o simbolismo, provocar a emoção, transmitir o tema e expressar o ponto de vista. Ela mostra como os detalhes podem ser usados de forma sutil ou explícita, dependendo do efeito que o escritor quer alcançar.

Francine ainda destaca que os detalhes podem ser de diferentes tipos, como descrições físicas, gestos, diálogos, pensamentos, ações, objetos, cores, sons, cheiros, sabores, texturas, etc. Ela observa que os detalhes podem ser concretos ou abstratos, específicos ou gerais, originais ou comuns, realistas ou fantásticos, etc. Recomenda que os escritores busquem a diversidade e a originalidade dos detalhes, evitando os clichês e os estereótipos.

Prose conclui que os detalhes são uma forma de arte, que requer sensibilidade, observação, imaginação, criatividade e técnica. Ela incentiva os leitores a prestarem atenção aos detalhes nas obras que admiram, e a praticarem o uso desse aspecto em suas próprias escritas. Afirma que os detalhes são uma forma de comunicação entre o escritor e o leitor, e que podem enriquecer a experiência literária.


CAPÍTULO 9 - GESTOS

O capítulo 9 trata da importância dos gestos na construção dos personagens e da narrativa. A autora define gesto como “qualquer coisa que os personagens fazem, qualquer ação que não seja simplesmente funcional, mas que tenha um significado simbólico ou revelador”. Ela afirma que os gestos podem ser usados para caracterizar os personagens, mostrar suas emoções, criar tensão, desenvolver o enredo, sugerir temas e transmitir informações ao leitor.

Prose ilustra seu argumento com vários exemplos de obras literárias, analisando como os gestos dos personagens contribuem para o efeito estético e narrativo dos textos. Ela cita, por exemplo, o gesto de Anna Karênina de jogar a luva para Vronski, que expressa sua paixão e sua disposição de arriscar tudo por ele; o gesto de Bartleby, o escrivão, de dizer “prefiro não fazer” sempre que lhe pedem algo, que revela sua alienação e sua resistência passiva ao sistema; o gesto de Emma Bovary de morder o buquê de noiva, que antecipa sua insatisfação e sua infidelidade; o gesto de Lolita de apertar o joelho de Humbert Humbert, que mostra sua sedução e sua manipulação; o gesto de Macbeth de esfregar as mãos, que simboliza sua culpa e sua loucura; entre outros.

A autora também discute como os gestos podem ser usados para criar contraste, ironia, humor, suspense e surpresa. Destaca que os gestos devem ser escolhidos com cuidado, evitando os clichês, os excessos e as incongruências. Ela recomenda que os escritores observem os gestos das pessoas na vida real e os usem como inspiração para suas obras. Prose conclui que os gestos são uma forma poderosa de comunicação, que podem enriquecer e aprofundar a experiência literária tanto para os escritores quanto para os leitores.


CAPÍTULO 10 - APRENDER COM TCHEKHOV

O capítulo tem como objetivo mostrar como Anton Tchekhov, um dos maiores contistas da história, pode ensinar aos leitores e escritores sobre os elementos essenciais da ficção, como personagem, diálogo, detalhe, gesto, humor e emoção. A autora usa vários exemplos dos contos do russo para ilustrar seus pontos e demonstrar sua admiração pelo mestre russo.

O capítulo é dividido em nove seções, cada uma focando um aspecto da ficção que Tchekhov domina. As seções são: 

  • Personagem: a autora discute como Tchekhov cria personagens complexos, realistas e memoráveis, usando técnicas como a descrição física, a voz, o conflito, o contraste e a mudança.
  • Diálogo: Prose analisa como o escritor russo usa o diálogo para revelar o caráter, o humor, o subtexto, a tensão e a ironia, evitando clichês, exposição e falsidade.
  • Detalhe: a escritora explora como Anton Tchekhov seleciona os detalhes mais significativos e sensoriais para criar uma atmosfera, um cenário, um clima e uma impressão, sem sobrecarregar o leitor com informações desnecessárias ou irrelevantes.
  • Gesto: Francine examina como o contista emprega gestos simples, mas expressivos, para mostrar as emoções, as intenções, as relações e as personalidades dos personagens, sem recorrer a explicações ou generalizações.
  • Humor: a autora observa como Tchekhov usa o humor para suavizar a tragédia, para criticar a sociedade, para humanizar os personagens e para envolver o leitor, sem perder a seriedade ou a profundidade de seu tema.
  • Emoção: Prose avalia como o escritor russo evoca emoções fortes e autênticas no leitor, sem manipular, sentimentalizar ou melodramatizar, usando recursos como a surpresa, a ambiguidade, a sutileza e a compaixão.
  • Economia: a escritora elogia como Anton Tchekhov consegue contar histórias ricas e completas em poucas páginas, sem desperdiçar palavras, frases ou cenas, usando a síntese, a sugestão, a omissão e a precisão.
  • Originalidade: Francine celebra como o contista inova e renova a forma do conto, sem seguir fórmulas, convenções ou expectativas, usando a experimentação, a variedade, a ousadia e a criatividade.
  • Influência: Francine Prose reconhece como o escritor Anton Tchekhov influenciou e inspirou gerações de escritores, sem impor seu estilo, sua visão ou sua moral, usando a generosidade, a modéstia, a honestidade e a sabedoria.

O capítulo termina com a autora expressando sua gratidão a Tchekhov e sua admiração por ele, que a ensinou a ler e a escrever como uma escritora, e convida o leitor a ler ou reler os contos do autor russo, pois são “lições de vida e de arte”.


CAPÍTULO 11 - LER EM BUSCA DE CORAGEM

O capítulo 11 fala sobre como a leitura pode nos inspirar a ter coragem para escrever e enfrentar os desafios da vida. A autora usa exemplos de obras literárias que mostram personagens corajosos, como Anne Frank, Primo Levi, George Orwell, entre outros, e explica como eles influenciaram sua própria escrita e atitude. Ela também discute como a leitura pode nos ajudar a superar o medo da crítica, da rejeição, do fracasso e da censura, e a desenvolver uma voz autêntica e honesta. Prose defende que a leitura é uma forma de resistência e de afirmação da liberdade, e que os escritores devem ler como se sua vida dependesse disso. 

A autora afirma que a leitura de obras que retratam situações extremas, como o Holocausto, a guerra, a opressão, a doença, a morte, etc., pode nos dar força e inspiração para enfrentar nossos próprios problemas e expressar nossos sentimentos e pensamentos mais profundos. Ela cita exemplos de escritores que usaram a literatura como uma forma de sobrevivência, de testemunho, de denúncia, de consolo e de esperança.

Francine reconhece que a leitura de obras-primas pode nos intimidar e nos fazer sentir inferiores, mas também nos estimular a melhorar nossa escrita e a buscar nossa originalidade. Ela sugere que devemos ler com humildade, mas também com confiança, e que devemos aprender com os grandes escritores, mas não imitá-los ou copiá-los. Também aconselha que devemos ler com curiosidade, com espírito crítico, com abertura e com paixão, e que devemos ler tanto os clássicos quanto os contemporâneos, tanto os consagrados quanto os desconhecidos, tanto os que concordamos quanto os que discordamos.

A escritora defende que a leitura é uma forma de resistir à conformidade, à ignorância, à manipulação, à censura e à tirania. Ela argumenta que a leitura nos permite conhecer outras realidades, outras culturas, outras perspectivas, outras possibilidades, e que isso nos torna mais conscientes, mais tolerantes, mais criativos e mais humanos. Também afirma que a leitura nos permite escapar da rotina, da monotonia, da angústia, da solidão, e que isso nos torna mais felizes, mais sonhadores, mais imaginativos e mais livres.

Francine Prose conclui o capítulo com uma citação de Kafka, que diz que um livro deve ser “o machado que quebra o mar congelado dentro de nós”.

No capítulo seguinte, a autora faz uma "lista de livros para ler imediatamente", que vai de clássicos a contemporâneos.


POSFÁCIO À MODA DA CASA, por Italo Moriconi

O autor explica que o posfácio é uma forma de complementar a apresentação que fez no início do livro, acrescentando algumas reflexões sobre os aspectos específicos da obra de Francine Prose e sua relação com a literatura brasileira. Ele também afirma que o posfácio é uma homenagem à autora e aos leitores brasileiros que se interessam pela escrita criativa.

O escritor divide o posfácio em três partes: a primeira, intitulada “A arte da ficção”, aborda os conceitos e as técnicas que Francine Prose discute em seu livro, destacando sua originalidade, sua clareza e sua utilidade para os escritores iniciantes e experientes. A segunda parte, chamada “A arte da leitura”, enfoca a importância da leitura atenta e da análise textual para o desenvolvimento da sensibilidade e do estilo literários, bem como para o prazer estético do leitor. A terceira e última parte, denominada “A arte da tradução”, trata dos desafios e das escolhas envolvidos na tradução do livro de Francine Prose para o português, especialmente no que se refere à adaptação dos exemplos literários citados pela autora.

O autor sustenta seus pontos de vista com base em citações do livro de Francine Prose, em comparações com outros autores e obras relevantes, em exemplos de sua própria experiência como escritor, leitor e tradutor, e em referências a autores e obras da literatura brasileira. Ele também dialoga com o leitor, fazendo perguntas, antecipando objeções, convidando à reflexão e à experimentação. Demonstra admiração e respeito pela obra de Francine Prose, mas também aponta algumas limitações e possibilidades de ampliação de seu método e de seu repertório.

Por fim, Italo oferece ao leitor brasileiro uma leitura crítica e contextualizada do livro de Francine Prose, mostrando sua relevância e sua aplicabilidade para a prática e o ensino da escrita criativa no Brasil. Ele também propõe uma lista de livros brasileiros para ler imediatamente, seguindo o modelo da autora, e sugere alguns exercícios de escrita inspirados em seu livro. O autor, assim, enriquece e atualiza a proposta de Francine Prose, aproximando-a da realidade e da cultura literárias brasileiras. 


Jason Lima


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Jason Lima



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