segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

A ODISSEIA: O QUE HOMERO NOS ENSINA SOBRE O RETORN


A Odisseia, de Homero, é antes de tudo uma narrativa de retorno. É a odisseia do regresso do rei Ulisses a Ítaca. E o retorno é também uma mudança. É a espera de uma renovação. 

Ítaca está há 20 anos sem rei; há 20 anos está sob a investida de abutres usurpadores que desejam o poder pelo poder. Desejam Penélope, esposa de Ulisses, não por amor mas por ganância. Eles não a amam; os homens a querem subjugá-la e, com isso, assenhorar-se das terras alheias.

A volta do Odisseu é também a volta da paz.

É ainda a narrativa da lembrança. Ulisses precisa se lembrar de onde vem e para onde vai. E sua memória é testada várias vezes. 

Na terra dos lotófagos, a flor narcótica de lótus por pouco não suspende eternamente sua memória.

Na ilha de Eana, o navio do herói grego depara com Circe, a filha do Sol, a feiticeira dos elixires. Após ter transformado a maioria dos tripulantes em porcos e depois, sob ameaça de Ulisses, que estava "fechado" para os feitiços devido à ajuda de Hermes, tê-los libertado, todos quase esquecem de retornar em vista da grande hospitalidade.

Após conseguirem reunir força de vontade e sair da ilha de Circe, os nautas passariam pela ilha das sereias, ninfas marinhas que tinham o poder de enfeitiçar com seu canto todos que o ouvissem, de modo que os marinheiros eram impelidos a se atirar ao mar e lá morriam. No entanto, Ulisses conseguiu salvar-se, pois colocara cera nos ouvidos dos seus marinheiros e amarrara-se ao mastro do navio, para poder ouvi-las sem se lançar ao mar.

Esse episódio revela que a obra é também a narrativa do conhecimento. Ulisses não queria apenas passar incólume pelas sereias, ele queria saber, ele queria conhecer aquele canto.

Ao longo de todo o poema, Ulisses promove uma odisseia do conhecimento e da descoberta. Sua arrogância tinha feito Poseidon se irritar, pois Odisseu o desafiara. Após ajudar a derrotar os troianos, Ulisses acreditava ser a mais inteligente das criaturas e que nem os deuses conseguiriam superar sua astúcia. Então o deus dos mares fez de tudo para impedir seu retorno a Ítaca.

A cada investida de Poseidon, Ulisses adquiria novos saberes. Ele retornaria ao seu reino não só mais habilidoso e forte como também mais sábio e ponderado.

Mas é na ilha de Calipso que as lembranças de Ulisses são enturvadas mais demoradamente.

O nome Calipso vem do grego kalyptein, “cobrir, esconder”, pois escondido era o seu reino e escondido permaneceu com ela o Odisseu.

Essa divindade tem como arma a sedução, palavra que deriva do latim se-, "afastamento", e ducere, "guiar, portar, levar", com significado de "afastar alguém dos seus votos de lealdade". E foi isto que a ninfa fez com Ulisses, afastou-o da sua lealdade à sua esposa, Penélope, por longos sete anos dos dez que durou a sua viagem de Troia a Ítaca. Ulisses já havia passado dez anos lutando em Troia. Portanto, a ausência toda do Odisseu duraria vinte anos.

Com a intervenção de Zeus, Calipso libera Ulisses e o deixa partir para Ítaca.

Mas o que na verdade Ulisses perseguia com o seu retorno? Claro, buscava sua esposa, Penélope; seu filho, Telêmaco; e seu reino. Porém, sobretudo, ele intentava reaver o seu passado, a sua história, a sua glória, a sua honra. Italo Calvino, no seu fabuloso Por que ler os clássicos, afirma que "aquele futuro que Ulisses anda procurando é de fato o seu passado". É, pois, a narrativa da restauração.

A restauração é necessária para a promoção da justiça ou, pelo menos, daquilo que o sentimento popular considera justo.


As fábulas e os textos folclóricos estão cheios de episódios de restauração, um modelo mítico perpetuado pela jornada do herói de Joseph Campbell. Esse retorno com o elixir revela que as coisas irão mudar. Os valores até então estabelecidos devem ser modificados. 

É a utopia popular de redenção, de recebimento da exaltação após uma vida de humilhação. Assim, Ulisses nos traz a necessidade de esperança.

O Ulisses que partira não é o mesmo que agora chega. O tempo passou, outros valores surgiram. Cabe a ele usar sua sabedoria e conhecimento recolhidos em sua jornada para poder lidar com o futuro-passado.

Ao chegar disfarçado de mendigo a Ítaca, é reconhecido apenas por seu cachorro, já velho, por Telêmaco e por uma ama, que reconhece uma cicatriz em sua perna. 

Assim, um reino descuidado (e sem lembrança de seu rei, o que mostra a superioridade de Ulisses por lutar contra o esquecimento, apesar de não ter reconhecido Ítaca de imediato) passou a se alegrar com o reestabelecimento da felicidade dos seus súditos e com o retorno de seu líder, após este derrotar seus opositores.

Homero nos ensina, portanto, que a vida é uma jornada cíclica, uma narrativa de retorno, de lembrança, de conhecimento e de restauração.


Jason Lima
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