sexta-feira, 1 de março de 2024

OS NÚMEROS E OS PÃES OU MUITO MAIS QUE ISSO

Não, não estou aqui tentando colocar conceitos matemáticos abaixo. Nunca ousaria me meter numa área sobre a qual não tenho domínio. A questão é meramente linguística.

Havia no latim o verbo plicare, com significado de dobrar, enroscar, trançar. Ele deu origem a vários vocábulos portugueses. Temos esse verbo plicar na nossa língua, com o sentido de dobrar, fazer pregas em roupas.

Plica, além de significar dobra e prega, é usado como sinônimo de acento agudo de uma palavra (´) e nomeia o sinal (‘), utilizado para indicar, na fonética, a sílaba tônica – ao se antepor a ela – (/abaka’xi/); e para designar “linha” em matemática quando posto no alto à direita da letra (b’ = bê linha).

De plicare, também surgiu o nosso verbo chegar. Isso se deve à expressão plicare velam, “dobrar, enrolar a vela”, algo comum quando o barco chegava ao porto.

Várias outras palavras portuguesas surgiram do verbo latino plicare. Vejamos algumas: aconchego, amplexo, aplicar, aplicativo, complexo, complicar, cúmplice, dúplex, empregar, empreitar, espreitar, explicar, explicitar, implicar, implícito, perplexidade, réplica, simples, suplicar, tríplex, triplo.

Daí então temos também as palavras duplicar, triplicar... e multiplicar. O prefixo multi- origina-se de multus e significa muito, abundante, numeroso, em grande quantidade. Logo, multiplicar expressa, em sua origem, “aumentar, tornar várias vezes maior em número”.


Ora, então como podemos “multiplicar” por 1 ou por 0, se não haverá, como resultado, um “aumento em número”?

O resultado da multiplicação por um é o próprio número, e o resultado da multiplicação por zero é sempre zero. Não há, pois, literalmente uma multiplicação, pois não há aumento.

Por outro lado, podemos ainda pensar que o resultado da multiplicação sempre é um novo número, mesmo sendo o mesmo. Isto é, 2x1 = 2, mas este dois é outro número e não mais o primeiro, porque o primeiro 2 é um fator; o segundo 2, um produto.

Claro está que os significados das palavras se modificam com o tempo. Não podemos pensar hoje multiplicar apenas como algo a realizar um “aumento em número”. Embora a palavra originalmente significasse “dobrar várias vezes”, ao longo do tempo, o significado se expandiu para se referir a qualquer operação matemática que envolva a combinação de quantidades para obter um resultado menor, igual ou maior que o proposto inicialmente.

Como ilustração, estes são os significados de multiplicar elencados pelo Dicionário Houaiss:


1 aumentar a quantidade de (seres, objetos etc.);

1.1 render grande quantidade; fazer nascer; produzir muito;

1.2 produzir de novo; copiar, reproduzir;

1.3 produzir seres da mesma espécie; aumentar a prole; proliferar;

2 tornar(-se) difundido; espalhar-se, propagar-se;

3 insistir em, tornar mais frequente; repetir com persistência;

4 desenvolver várias atividades;

5 fazer a operação da multiplicação; repetir um número tantas vezes quantas forem as unidades de outro.

 

Observe que todos os sentidos mostrados pelo dicionário implicam a ideia de acréscimo e variedade. O prefixo multi- dá a tônica da palavra.

Vejamos o significado original de alguns derivados de plicare:

  • aplicar: dobrar para (justapor);
  • complicar: dobrar junto, embaraçar;
  • explicar: dobrar para fora (desdobrar);
  • implicar: dobrar junto, dentro, unir;
  • suplicar: dobrar para baixo (ajoelhar-se).

Mas uma outra pergunta surge: se, segundo o Evangelho de Marcos (6:30-56), Jesus conseguiu saciar a fome de quase cinco mil homens com apenas cinco pães e dois peixes, ele fez foi uma multiplicação ou uma divisão dos alimentos?

O milagre é bem conhecido como o “milagre da multiplicação dos pães e dos peixes”. Se ele tivesse multiplicado, haveria então milhares de peixes. Contudo, o texto bíblico diz assim: “E, tomando ele os cinco pães e os dois peixes, levantou os olhos ao céu, e abençoou, e partiu os pães, e deu-os aos seus discípulos para que os pusessem diante deles. E repartiu os dois peixes por todos”. Houve uma repartida, ou seja, uma divisão.

Obviamente, o termo multiplicação no contexto bíblico não significa que Jesus criou mais pães e peixes do nada, mas que ele abençoou e partiu os que tinha, de modo que eles se tornaram suficientes para todos. Portanto, não se trata de uma multiplicação matemática, mas de uma partilha generosa. Jesus não diminuiu a quantidade de comida, mas a aumentou pela sua graça.

E por que multiplicação se confunde com divisão em análises assim? A divisão afeta a nossa avaliação quantitativa do objeto. Ao aumentar o número de partes, podemos ter a impressão de que o objeto também aumentou, pois há mais elementos para contar, medir ou comparar. Essa impressão pode ser reforçada pelo efeito de contraste, ou seja, pela comparação entre o estado anterior e o posterior à divisão.

Por exemplo, ao dividir um pão em pedaços, podemos pensar que temos mais pão do que antes, pois podemos ver mais superfície de pão exposta, ou porque podemos distribuir os pedaços para mais pessoas. No entanto, essa impressão é ilusória, pois a divisão não altera a quantidade real do objeto, apenas a sua forma e a sua apresentação. A divisão é uma operação reversível, ou seja, podemos recompor o objeto original a partir das partes divididas, sem perder ou ganhar nada. A quantidade real do objeto é determinada pela sua massa, volume ou peso, que são invariantes sob a divisão. Portanto, a divisão implica apenas uma reorganização, não uma multiplicação, o que é um exemplo de falácia linguístico-cognitiva, pois se baseia em uma confusão entre os níveis de forma e de conteúdo, entre o significante e o significado, entre a aparência e a essência.

No texto bíblico, a essa relação entre divisão e multiplicação adere-se o fator gracioso, milagroso: ao mesmo tempo em que houve a divisão dos alimentos, houve a multiplicação da saciedade.

 

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Os algarismos romanos são um sistema numérico que se originou na Roma Antiga e foi utilizado por várias civilizações europeias durante séculos. Este sistema é composto por sete símbolos: I, V, X, L, C, D e M, que representam os números 1, 5, 10, 50, 100, 500 e 1000, respectivamente.

Sua origem vem do século VIII a.C., quando os romanos adotaram o sistema numérico dos etruscos, um povo que habitava a região da Toscana, na Itália. O sistema etrusco era baseado em caracteres que representavam as letras do alfabeto, mas os romanos simplificaram o sistema e desenvolveram seus próprios símbolos numéricos.

Os primeiros algarismos romanos eram simples traços, que representavam o número 1. Com o tempo, esses traços foram combinados e modificados para formar os outros símbolos. Por exemplo, o número 5 era representado por um traço horizontal e um traço diagonal que se cruzavam, formando um V. Já o número 10 era representado por dois traços cruzados em forma de X.

Essa notação foi amplamente utilizada durante o Império Romano, tanto para fins comerciais quanto para a numeração de páginas em livros e documentos. Ela também era frequentemente usada em inscrições em monumentos e edifícios públicos.

Com o colapso do Império Romano, o uso dos algarismos romanos caiu em desuso, mas não totalmente, na Europa Ocidental, sendo substituído pelo sistema de numeração indo-arábico, utilizado atualmente.

 

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Os números são entidades abstratas que representam quantidades e ordem. Eles não possuem existência física e não podem ser percebidos pelos sentidos. Quando pensamos em números, não podemos realmente visualizá-los como fazemos com objetos tangíveis. Em vez disso, usamos representações simbólicas, como os algarismos (1, 2, 3…) para expressar números. Esses símbolos são convenções que usamos para lidar com a abstração numérica.

A dificuldade de imaginar números sem pensar em objetos relacionados a eles reside na distinção entre símbolos e conteúdo. Quando pensamos em “dois carros”, a imagem dos carros aparece em nossa mente, mas a ideia de “dois” é abstrata e não pode ser representada visualmente da mesma forma. Isso sugere que, na verdade, não imaginamos o número em si, mas sim os objetos que ele representa. O número “dois” é um conceito abstrato que usamos para contar ou quantificar os carros, mas não é uma imagem mental tangível.


Alguns estudiosos argumentam que os números são categorias a priori da mente humana, ou seja, estruturas inatas que usamos para organizar nossa experiência. Essa visão sugere que os números são conceitos fundamentais que não podem ser imaginados, mas apenas concebidos por meio do pensamento abstrato.

Dessa forma, essa impossibilidade imagética tem implicações filosóficas significativas. Ela levanta questões sobre a natureza da abstração, a relação entre linguagem e pensamento e como nossa mente lida com conceitos puramente conceituais.

 

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A palavra ímpar é formada pela combinação do prefixo latino in-, que indica negação ou negatividade, com a palavra par, que também vem do latim e significa “igual”, “contraparte” ou “dupla”.

Na matemática, um número ímpar é aquele que não pode ser dividido igualmente por 2, ou seja, não possui uma contraparte que o torne igual a um número par. Essa definição matemática reflete a origem da palavra, pois o prefixo in- nega a ideia de igualdade, e par denota a igualdade ou paridade. Portanto, quando falamos sobre números “ímpares”, estamos, de certa forma, fazendo uma referência à sua natureza não igual em relação aos números pares.

Os conceitos de números pares e ímpares são fundamentais na matemática e têm uma origem muito antiga. Eles surgiram na matemática elementar e provavelmente foram reconhecidos desde o início do desenvolvimento matemático. Os matemáticos gregos antigos, como Euclides, no século III a.C., estudaram essas propriedades em detalhes em suas obras. A distinção entre números pares e ímpares é inerente ao sistema numérico e à própria natureza dos números naturais. Esses conceitos têm, pois, uma origem muito antiga, provavelmente tão antiga quanto a própria matemática.

 Jason Lima

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