sexta-feira, 15 de março de 2024

O "MILAGRE ECONÔMICO" E A FARSA DO REI DESPIDO

Durante os anos da ditadura militar, o poder do ministro da Fazenda era quase absoluto, um instrumento na engrenagem do regime. Delfim Netto, que ocupou o cargo nos governos de Costa e Silva e Médici, exerceu influência decisiva em um período marcado por medidas econômicas draconianas, decretos-lei autoritários e uma imprensa oficial que dizia o que era para ser publicado.

Delfim Netto envolveu-se, ao logos dos anos seguintes, em vários escândalos de corrupção e em ações distantes de serem ilibadas. Um dos episódios mais lembrados envolvendo o ex-ministro foi o Escândalo Coroa-Brastel, que veio à tona em 1985. Delfim Netto, juntamente com o empresário Assis Paim Cunha e o ministro Ernane Galvêas, foi acusado de desviar recursos governamentais da Caixa Econômica Federal para benefício pessoal. As ramificações desse escândalo lançaram uma sombra duradoura sobre a carreira de Delfim, evidenciando práticas questionáveis em seu período como ministro.

Em outro momento, no chamado caso Panama Papers, divulgado em 2016 pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), trouxe à luz contas em empresas offshore no exterior atribuídas a Delfim Netto, criadas pela firma panamenha Mossack Fonseca. Essa revelação lançou mais dúvidas sobre a transparência financeira do ex-ministro, ampliando o rol de questionamentos éticos.

Delfim Netto

Já em 2016, a delação premiada da Operação Lava Jato trouxe Delfim Netto de volta aos holofotes, desta vez envolvido em suspeitas de recebimento de propinas nas obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Quatro delatores corroboraram alegações de corrupção, indicando um padrão de conluio que envolveu grandes empreiteiras. A busca e apreensão realizada em março de 2018, no âmbito da Lava Jato, acentuou as suspeitas contra Delfim Netto, que era alvo de investigação por supostamente receber quinze milhões de reais em propinas relacionadas à construção de Belo Monte.

Voltando ao cenário de poder concentrado durante a Ditadura, a resistência ao governo militar encontrava poucos canais para se manifestar. A fortaleza do regime, paradoxalmente, começou a ruir de dentro para fora. Um episódio emblemático desse jogo de interesses foi a criação, em 1966, do Banco Central, um órgão autônomo destinado a garantir a estabilidade monetária e fortalecer o sistema financeiro. Contudo, a independência proposta rapidamente se viu ameaçada pelas tramas políticas de Delfim Netto.

Na transição entre os governos de Castelo Branco e Costa e Silva, Delfim, futuro signatário do AI-5, conspirou contra a indicação do presidente do Banco Central, tramando suspeitas de ações ilícitas pela diretoria do BC. A intriga culminou numa CPI que afastou os diretores do órgão, consolidando o controle sobre uma peça-chave da economia.

Durante o chamado "Milagre Econômico" entre 1969 e 1973, um período de crescimento econômico exponencial sob a ditadura militar, dados oficiais propagavam uma baixa inflação, mas a verdade oculta começou a se desvelar. O ministro da Economia do governo Geisel, Mário Henrique Simonsen, denunciou a farsa dos índices inflacionários durante o governo Médici.

A prática de congelar preços, adotada por Delfim, maquiava a realidade econômica. Na teoria, os índices indicavam estabilidade, mas na prática os mercados operavam com valores até três vezes superiores. O "Rei", representando a ilusão do Milagre Econômico, estava nu. A analogia com o conto A Nova Roupa do Rei, de Hans Christian Andersen, publicado em 1837, é visual, pois, como no conto, na ditadura ninguém tinha ousado antes denunciar a farsa, temendo a repressão. 

Na história dinamarquesa, havia um imperador extremamente vaidoso e preocupado com sua aparência. Dois vigaristas, sabendo disso, fingiram ser tecelões habilidosos e prometeram ao monarca uma roupa magnífica. Eles afirmaram que essa roupa seria tão especial que apenas pessoas inteligentes e dignas poderiam vê-la. Além disso, ela seria invisível para tolos ou filhos bastardos.

O imperador, curioso e ansioso para exibir sua suposta superioridade, contratou os vigaristas. Eles fingiram tecer o tecido, mas na verdade, não havia nada lá. O imperador, com medo de parecer ignorante, enviou seus ministros e cortesãos para ver a roupa. Todos, com receio de admitir que não viam nada, elogiaram a suposta beleza do tecido.

Finalmente, o imperador decidiu usar a roupa nova em um grande desfile público. Quando ele saiu às ruas, todos elogiaram sua vestimenta, pois ninguém queria ser considerado tolo. Até que uma criança inocente exclamou: “O rei está nu!” A verdade se espalhou, e o imperador ficou envergonhado.

O rei está nu

A farsa do rei despido mostra a fragilidade do discurso oficial e a importância da denúncia, um pouco mais simples  - embora com ressalvas - numa democracia. No conto, o rei, orgulhoso, foi enganado por charlatães. No Brasil, o povo, desinformado, foi enganado por um governo de ditatorialmente mentiroso e manipulador.

Jason Lima


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